29/11/2021

Paulo Freire pode não ser muito conhecido no Reino Unido, mas é um dos pensadores mais influentes da educação no mundo.

Seus ensinamentos sobre o pensamento crítico em escolas e universidades moldaram o ensino muito além do Brasil, onde ele nasceu há cem anos. De acordo com levantamento do pesquisador Elliott Green, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, o livro principal da obra do educador, “Pedagogia do Oprimido”, escrito em 1968, é o terceiro mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo.

E agora, um grupo de importantes acadêmicos da Universidade de Cambridge instalou uma escultura de bronze dele na biblioteca da Faculdade de Educação, ao sul do centro da cidade, como um símbolo de “tolerância e diálogo” em um momento de “guerras culturais” no campus.

Em linhas gerais, guerras culturais são descritas por especialistas como o processo em que temas morais como legalização de aborto ou armas se tornam centrais no debate político e opõem conservadores (pessoas de viés mais disciplinador e punitivo) e progressistas (o oposto).

Mas ele morreu no final dos anos 1990, então por que está ganhando destaque agora?

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, chegou a ameaçar “entrar no Ministério da Educação com um lança-chamas” para remover todos os vestígios de Freire. O educador é muitas vezes tratado pelo governo Bolsonaro como bode expiatório da má qualidade do ensino público brasileiro ou suposto “doutrinador comunista” nas escolas.

Para especialistas em educação ouvidos pela BBC News Brasil, entretanto, a raiz da controvérsia em torno da pedagogia de Paulo Freire não é sua aplicação em si –mas o uso político-partidário que foi feito dela, historicamente e, mais do que nunca, nos dias atuais.

“Li a maior parte dos livros dele. Minha tese de doutorado foi amplamente baseada em seus ensinamentos. Tenho aplicado seu método de várias maneiras em minha carreira profissional, na prática e na pesquisa”, afirmou a pedagoga Eeva Anttila, professora da Universidade de Artes de Helsinque, na Finlândia, país que é referência internacional no ensino.

“A maior vantagem de sua metodologia é a abordagem antiopressiva e não autoritária, a pedagogia dialógica e respeitosa que ele promoveu. O problema é que suas ideias têm sido usadas para fins políticos –o que, em meu entendimento, nunca foi seu propósito inicial”, disse a finlandesa.

“No Brasil, nossa situação atual é muito, muito difícil”, diz Alex Trindade, um dos alunos brasileiros que tiveram a ideia da escultura de Freire em Cambridge. “Bolsonaro está atacando tudo relacionado à universidade pública, às ideias de Freire. A ideia é (…) impedir que professores ou escolas discutam política ou gênero ou qualquer coisa do tipo, ou que ofereça um caminho para as pessoas desenvolverem suas próprias ideias.”

 

‘CULTURA DO CANCELAMENTO’ – Em seu escritório, cercado por pilhas de livros educacionais e uma coleção impressionante de plantas, a diretora do corpo docente de Cambridge, Susan Robertson, diz que a ênfase de Freire sobre a importância “da escuta, da tolerância e do diálogo” tornou-se ainda mais importante no contexto da “cultura do cancelamento”.

A prática de “cancelar” pessoas porque suas opiniões podem ser ofensivas ou de negar-lhes um espaço para falar se tornou um assunto de debate acalorado não apenas nas redes sociais, mas também nos campi.

Neste mês, a Cambridge Union Society baniu o historiador de arte Andrew Graham-Dixon depois que ele ofendeu estudantes ao imitar Adolf Hitler durante um debate sobre a existência do “bom gosto”.

O presidente da entidade chegou a falar na criação de uma lista dos oradores proibidos, mas mais tarde disse ter se equivocado.

Além disso, a professora Kathleen Stock, acusada de transfobia por suas opiniões sobre identidade de gênero, deixou seu cargo na Universidade de Sussex, dizendo que passou “um momento horrível”. Procurado pela BBC, o Ministério da Educação não quis comentar o tema nesta reportagem.

BBC Brasil via Folha de S. Paulo; 27/11
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