20/01/2023

Invasão em Brasília não se trata de acaso, mas de poder paralelo e organizado

Por José de Souza Martins, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP: “As ocorrências extralegais e paralelas no próprio dia da posse do novo presidente da República e a baderna insurrecional da invasão de Brasília e dos edifícios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, em seus desdobramentos e consequências, fazem revelações sociológica e politicamente decisivas para conhecer os inimigos da democracia e do país. Revelam não só o conjunto de uma trama golpista, mas principalmente a estrutura social do movimento e a diferença entre agitadores, protagonistas, promotores e protetores, vários deles secretos. Não se trata de acaso, mas de poder paralelo e organizado.

A identificação dos presos em Brasília, no dia 8, faz revelações da maior importância para definir e compreender o perfil social dos envolvidos. É gente de baixa classe média, não só pelos recursos minguados da maioria visível, mas também pela ignorância sobejamente demonstrada no ataque aos palácios como se fosse ataque ao novo governo. Governo não é um prédio nem uma parede, assim como democracia não é baderna.

A diferença e o poder da ignorância ficam claros na mutilação e na destruição de obras de arte, como a bela e significativa tela de Di Cavalcanti, perfurada em vários pontos. Foram interpretadas como trastes de luxo, extensões de pisos e paredes, tocadas, examinadas e jogadas no chão. E tratadas como lixo. Os autores não viam nelas utilidade, categoria central da mentalidade dos toscos.

A barbárie documentou a dimensão simbólica do divórcio entre o poder e o povo. Nesse sentido, um certo fracasso da política e dos partidos políticos. E uma vitória dos que à margem da lei manipularam a turba ignara para demolir o Estado e torná-lo vulnerável a um poder invisível. Para subjugar o poder legítimo em favor dos propósitos inconfessáveis de minorias antissociais, infiltradas de delinquentes como os dados mostram.

O mesmo princípio esteve presente nas manifestações de Brasília e nos acampamentos de porta de quartel. A busca de abrigo sob as asas das Forças Armadas, que não hesitaram em dá-lo. Na prática o desapreço pelas instituições, a turba ignorante fazendo o papel sujo de minar a democracia para fragilizá-la e reduzir o Brasil à subalternidade de quartel. O poder aparente e ilusório dos “laranjas”.

A multidão assim motivada é o sujeito social da loucura coletiva, como mostrou Gustavo Le Bon em seu estudo clássico sobre o tema. A agitação direitista transformou o Brasil num perigoso manicômio, intencionalmente produzido para favorecer a sobrevivência e consolidação da tirania derrubada pelo voto democrático de 2022.

Valor Econômico, 20/01
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