10/04/2023

Folha de S. Paulo  08/04
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Em 100 dias de governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o país viu um contraponto no MEC (Ministério da Educação) com relação aos últimos quatro anos, com um restabelecimento da pasta em termos de equipe, orçamento e institucionalidade – por Paulo Saldaña

O que ganhou corpo nesses três meses foi um intenso debate sobre revogação de uma reforma do ensino médio em fase de implementação e uma gestão do MEC reativa, agindo para acalmar os ânimos e reduzir desgastes.

A comparação com os primeiros 100 dias da gestão de Jair Bolsonaro (PL) mostra alguns avanções, principalmente no orçamento.

Em abril de 2019, Bolsonaro já tinha inclusive trocado o ministro da Educação — após um acúmulo de polêmicas e disputas internas entre militares e seguidores do escrito Olavo de Carvalho, Ricardo Vélez Rodriguez foi substituído por Abraham Weintraub. Naquele momento, no primeiro ano da gestão, a pasta já vivia uma paralisia.

Weintraub colecionou ainda mais problemas e seu sucessor como ministro, Milton Ribeiro, chegou a ser preso no âmbito das investigações de um balcão de negócios no MEC que envolvia pastores aliados do presidente. Sob Bolsonaro, a pasta teve ainda seus piores índices de execução orçamentária.

Por isso, a equipe de Lula articulou no Congresso um aumento dos recursos para educação ainda durante a transição. Essa ação possibilitou um reajuste entre 28% e 39% no programa de merenda escolar, principal vitrine do MEC no pacote que o governo apresenta como resultado desses 100 dias.

Não havia reajuste desde 2017 nos valores dos repasses federais para merenda, que variam de acordo com a etapa escolar. A medida foi bem recebida por estados e prefeituras, que dependem do programa, embora ele não seja suficiente para bancar todos os custos da alimentação —a União repassava aos estados e municípios R$ 0,36 por dia para cada estudante do ensino fundamental e médio, por exemplo, e com o reajuste de 39%, esse valor passou para R$ 0,50.

O orçamento para alimentação escolar chegou neste ano a R$ 5,5 bilhões. Antes da transição, eram previstos R$ 3,9 bilhões para esse fim.

Como um todo, os recursos do MEC em 2023 tiveram um incremento de cerca de R$ 11 bilhões. Essa recomposição possibilitou outro reajuste, no valor das bolsas de pesquisa, que num era reajustadas desde 2013. O aumento para benefícios de mestrado e doutorado será de 40%

Com mais recursos, a pasta também liberou R$ 250 milhões em de recursos para obras escolares que estavam represados.

Os reajustes e a o foco em destravar as obras paradas eram promessas de campanha de Lula e os anúncios tem ocorrido. Mas outras políticas públicas seguem paradas, como a de alfabetização.

Assim que assumiu como ministro da Educação, o ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT) prometeu que o país conheceria um novo pacto pela alfabetização na idade certa nesses três meses. Por ora, só foi anunciado uma pesquisa para tentar definir o que deve ser considerado uma criança alfabetizada.

Também continuam indefinidos outras promessas, como um fomento a escolas de tempo integral e a retomada do Fies. Questionado, o ministério não respondeu.

Até agora, a ação da MEC que mais atraiu atenções nem sequer estava no alvo inicial da pasta.

Pressionado por críticas crescentes de educadores e estudantes, o governo decidiu suspender tanto a implementação do novo ensino médio quanto as alterações previstas no Enem 2024, que adequaria a prova ao novo formato.

A reforma, aprovada em 2017, prevê uma flexibilidade curricular e começou a ser implementado para os alunos em 2022. A ação, porém, acumula uma série de problemas e parcela de especialistas, sindicatos e estudantes pedem o fim do novo ensino médio, o que dependeria do Congresso. Lula já disse que não fará a revogação, mas que planeja realizar ajustes.

A suspensão foi decidida, em grande parte, para tentar amenizar o desgaste que o governo tem sofrido com grupos que pedem a revogação e que, tradicionalmente, são próximos do PT —como movimentos estudantis e sindicatos de professores.

Para aplacar as críticas, o MEC já tinha criado em março um grupo de trabalho para coordenar uma consulta pública para a avaliação e reestruturação da política.

Apesar da suspensão dos prazos, as escolas continuam a oferecer as aulas de acordo com o novo ensino médio. O governo promete decidir por ajustes na política após o resultado dessa consulta, que ainda não teve atividades públicas.