22/07/2020

Silvia Barbara*

A edição de julho de 2020 do Le Monde Diplomatique Brasil traz um excelente artigo intitulado “A extinção judicial do Escola sem Partido”, escrito a quatro mãos pelo professor de Direito da UFABC, Salomão Ximenes, e pela advogada Fernanda Vick. Como o título sugere, o artigo aborda como decisões judiciais, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF), têm enterrado leis que censuram professores, conteúdos e livros didáticos.

Entre os meses de abril e junho deste ano, o Supremo anulou quatro leis municipais que proibiam a abordagem de questões de gênero nas escolas. Como se sabe, o movimento Escola Sem Partido (ESP) ganhou volume a partir de 2014 pela aproximação com bancadas religiosas, especialmente evangélicas, que tinham verdadeira fixação no tema. Mas a questão de gênero não é único assunto escolhido pelo ESP para infernizar a vida dos professores.

Nascido em 2004, o movimento Escola Sem Partido foi criado para patrulhar aulas e acusar professores de “assédio ideológico” e, é claro, ganhou força com a onda reacionária que assolou o país e elegeu Bolsonaro. Quem não se lembra da deputada catarinense que festejou o resultado da eleição presidencial, pedindo aos estudantes para filmarem aulas dos professores que, segundo seus delírios, faziam “manifestações político-partidárias”?

Para os dois autores, Ximenes e Vick, ainda que as ações julgadas no Supremo tratem de leis sobre questões de gênero nas escolas, as decisões vão consolidando um entendimento sobre os princípios constitucionais da Educação de alcance muito mais amplo, que podem orientar decisões em instâncias inferiores. Acredito também que possa coibir políticas públicas ou projetos de lei que censuram conteúdos e perseguem professores.

Entre esses princípios está a ideia de que a censura viola o necessário pluralismo de concepções pedagógicas e que os professores têm liberdade de expressão no exercício profissional. Eventuais problemas ou conflitos devem ser tratados no âmbito do projeto pedagógico da escola.

Além disso, os pais têm o direito de zelar pela educação dos seus filhos, mas isso não significa dispor de “poderes para questionar ou vetar conteúdos específicos do ensino que compõem os objetivos republicanos e democráticos do direito à educação”.

Num país que teve aberrações como Velez e Weintraub no Ministério da Educação, tudo isso é muito positivo. Espera-se, inclusive, que sirva de alerta ao novo titular da pasta, que é pastor presbiteriano e não pode misturar os papeis.

Contudo, o âmbito jurídico por si só não basta. É preciso que esses princípios sejam reafirmados cotidianamente no espaço de cada escola, de cada sala de aula e de cada família. Talvez assim a sociedade se dê conta daquilo que os professores perceberam desde o primeiro minuto: o obscurantismo perigoso e irresponsável dessa farsa chamada Escola Sem Partido.

*Silvia Barbara é diretora do SinproSP