06/04/2023

Nexo  18/11/22
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Marcos legais e diretrizes impactaram as políticas públicas dedicadas à educação antirracista na primeira infância. Por Karina Fasson.

O acesso à educação de qualidade para a transposição de barreiras sociais vem sendo, há décadas, bandeira de diferentes grupos sociais no Brasil. O movimento negro, desde seus princípios, tem a pauta como central. O tema também faz parte da agenda de pesquisa em diferentes campos que estão olhando para desigualdades raciais no país. A educação infantil, contudo, ainda ocupa espaço minoritário dentro dessa agenda.

Nos últimos anos, a discussão sobre a importância de políticas públicas para a primeira infância, etapa da vida do nascimento aos seis anos de idade, tem ganhado corpo no Brasil. Estudos de diferentes áreas demonstram a relevância do investimento social nesse período para a redução de desigualdades, o que tem contribuído para que a temática entre cada vez mais na agenda dos formuladores de políticas.

A linha do tempo a seguir traz marcos que impactaram direta e indiretamente as crianças negras na educação infantil brasileira, considerando as dimensões de acesso e de qualidade dos ambientes educacionais. Para tanto, consideram-se iniciativas ligadas ao âmbito federal.

1988 – Educação infantil como parte do sistema educacional – Constituição Federal – A partir da Constituição Federal, creches e pré-escolas passam a figurar no campo da educação. E, a partir da LDB, integram a educação básica. Historicamente, o que hoje chamamos de educação infantil no Brasil estava ligada ao campo da assistência social, enquanto espaço para cuidado de crianças visando mães de classes trabalhadoras (Kuhlmann Jr., 1998).

1996 – Educação infantil passa a figurar como primeira etapa da educação básica – LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) – A migração desse atendimento para a educação passa a abrir espaço para que crianças negras e pobres comecem a ter maior acesso a um serviço que olhe também para o desenvolvimento e a aprendizagem, dimensões que estavam antes mais presentes sobretudo na educação pré-escolar particular, acessada por famílias de classes mais abastadas.

2003 – Lei n. 10.639 – Modifica a LDB, incluindo o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio e instituindo no calendário escolar o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) – A promulgação da Lei, advinda de uma demanda antiga do movimento negro, avança no sentido da reparação histórica e de valorização das contribuições das populações africanas e afrodescendentes. Contudo, nesse primeiro momento, a legislação deixa de fora a educação infantil.

2004 – Parecer CNE/CP n. 3 e Resolução CNE/CP n. 1 – Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Ao instituir diretrizes curriculares, o parecer regulamenta a lei n. 10.639/03, incluindo, naquele momento, a educação infantil. Diferentemente da lei, o parecer fala em “educação básica” como um todo e, em alguns momentos, cita a educação infantil.

2006 – Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais – Publicação organizada pela Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) do MEC (Ministério da Educação) a partir de resultado de grupos de trabalhos constituídos entre 2004 e 2005 por estudiosos e educadores em diferentes regiões do país, tendo como público alvo professores. O documento traz uma seção específica para a educação infantil.

2007 – Parecer 02/2007 CNE/CEB – Abrangência da incidência das DCNERER (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais) e para o ensino de história e cultura afro-brasileira – A partir do questionamento de dois atores importantes no âmbito da educação infantil – o Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil) e o Ceert (Centro de Estudos de Relações de Trabalho e Desigualdades) –, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação esclarece que a educação infantil é público alvo da implementação das diretrizes curriculares e reconhece a importância de emitir esse parecer, diante dos hiatos em relação à implementação da lei e das diretrizes nas diferentes etapas da educação.

2008 – Lei n. 11.645 – Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), modificada pela lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

2009 – Obrigatoriedade da oferta e matrícula na pré-escola a partir dos 4 anos de idade (EC n. 59) – A partir desse dispositivo legal, teve início uma expansão do acesso à pré-escola, o que beneficiou sobretudo as populações mais vulneráveis socialmente – dentre elas, as crianças negras.

Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana – Documento fruto de encontros regionais realizados para discussão da implementação da educação das relações étnico-raciais, visando sistematizar as orientações legais anteriores e trazer as competências e responsabilidades de cada ente federado e sistema de ensino para a implementação das diretrizes.

Publicação do documento “Indicadores de qualidade na Educação Infantil”, pelo Ministério da Educação – Paralelamente às ações da consultoria iniciada em 2007, a Coedi convidou o Ceert para participar do grupo de trabalho para elaboração do documento, a fim de que dimensões relativas à educação para as relações étnico-raciais fossem consideradas.

2010 – Publicação de nova versão das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, pelo Ministério da Educação – Para a revisão deste documento, a Coedi também realizou articulações para que houvesse participação de especialistas em educação das relações étnico-raciais nas discussões do grupo de trabalho formado.

2011 – Publicação do documento “Práticas pedagógicas para a igualdade racial na educação infantil” pelo Ceert – O documento contou com a chancela do MEC (Ministério da Educação), dentro de uma parceria com o MEC/SEB/Coedi. Apontado como um dos primeiros materiais com chancela do ministério sobre a temática na educação infantil, contou com a revisão técnica da coordenadora de educação infantil do Ministério da Educação à época.

2013 – Indicadores de qualidade na educação – relações raciais na escola – MEC-Seppir-Unicef-Ação Educativa – Numa parceria entre Ministério da Educação, Seppir (Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial), Unicef e Ação Educativa, é publicado documento que trata sobre a educação básica como um todo, trazendo também aspectos da educação infantil.

2014 – Novo PNE (Plano Nacional de Educação) – A meta sete do PNE, com vigência entre 2014-2024, traz o fomento da qualidade na educação básica. A estratégia 25 dessa meta diz respeito à implementação das leis n. 10.369/03 e n. 11.645/08 e das respectivas diretrizes curriculares.

2017 – BNCC (Base Nacional Comum Curricular) – O documento, de caráter normativo, traz as aprendizagens essenciais que devem ser desenvolvidas na educação básica. Nota-se que os princípios para a educação das relações étnico-raciais estão contemplados, ainda que na maior parte das vezes de maneira indireta, na BNCC.