22/06/2022

Para Jaume Trilla, da Universidade de Barcelona, docente não pode aceitar posturas que desrespeitem os direitos humanos.

Em 1992, Jaume Trilla, 70, professor catedrático da Faculdade de Pedagogia da Universidade de Barcelona, publicou o livro “El Profesor y los Valores Controvertidos” (o professor e os valores Controversos, em tradução livre). Agora, 30 anos depois, avalia que a ascensão de grupos conservadores, impulsionados pelas redes sociais, tornou essa relação ainda mais sensível e prejudicial para a educação.

No Brasil, com o aumento da polarização política, a lista de assuntos que podem ser considerados controversos em sala de aula só cresce. Professores relatam apreensão ao abordar questões de política, educação sexual, meio ambiente e até vacina sob o risco de serem acusados de doutrinação.

A convite do Centro de Formação da Vila, do grupo Bahema, Trilla deu uma palestra no último dia 11 para professores da educação básica. Na conversa, o educador disse ser papel da escola e dos professores defender com beligerância os valores democráticos. Portanto, não podem ser neutros ou evitar atuar em defesa dos direitos humanos nas atividades pedagógicas.

Para ele, o fato de as ideias e teorias de Freire voltarem a sofrer tentativas de censura —o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que queria expurgá-lo das escolas brasileiras— são sinais de que o sistema democrático do país voltou a correr riscos.

Nos últimos anos, o Brasil tem vivido a ascensão de grupos que estimulam a vigilância e punição a professores que não têm um posicionamento considerado neutro em sala de aula. A neutralidade na educação é possível?

A neutralidade absoluta é impossível. Mas a questão principal é: a neutralidade dos professores é desejável?

A minha posição é de que há determinadas situações em que os professores devem procurar atuar da forma mais neutra possível e há outras em que não podem ser neutros.

Para questões políticas e morais socialmente controversas, por exemplo como o aborto, é importante que se busque ser o mais neutro possível. O professor tem suas opiniões, crenças e convicções. Ainda que possa explicitá-las em sala de aula, deve deixar claro que se trata de um posicionamento pessoal, deve apresentar argumentos divergentes dos seus e respeitar a opinião divergente dos alunos.

Mas há questões sobre as quais a atuação do professor não pode ser neutra, que são aquelas que se referem aos princípios fundamentais de uma sociedade democrática. Nas situações em que esses princípios são feridos ou estão em risco, a atuação de nenhum cidadão pode ser neutra.

Em uma escola democrática, em um país democrático, o professor não pode aceitar que sejam defendidas posturas que desrespeitem os direitos humanos, por exemplo, posições racistas, machistas, contra alguma religião, identidade sexual etc.

Já houve casos no Brasil em que professores foram acusados de doutrinação, por exemplo, por tratar sobre feminismo e violência de gênero em sala de aula. O próprio governo federal tentou suprimir questões que tratassem desses temas no Enem por considerá-las ideológicas.

Todos os valores que são defendidos por um sistema político democrático, como os direitos humanos, devem ser encarnados pelas escolas e professores. É claro que essa minha posição só é válida dentro de uma democracia.

Em um estado totalitário, o que eu estou dizendo não serviria para nada, porque esses valores não são defendidos. Por isso, só governos totalitários defendem a neutralidade absoluta de professores nessas questões.

UOL; 19/06
https://bit.ly/3y7vifI