25/11/2021

Artigo, por Rafaela Sardinha (INEP) e Roberto Leher (UFRJ): “Após ser rechaçada no novo Fundeb, destinação de recursos públicos a escolas privadas retorna, sob disfarce, no Auxílio Brasil. Inspirada nos EUA, pauta é parte da “guerra cultural” e foi articulada por lobby de think tanks ultraconservadores.

Em conformidade com a estratégia da extrema direita estadunidense, no dia 8 de novembro de 2021, o governo Jair Bolsonaro publicou o decreto nº 10.852 que regulamenta o Programa Auxílio Brasil, instituído pela Medida Provisória nº 1.061, de 9 de agosto de 2021, ainda não votada pelo Congresso. O Programa extingue o Bolsa Família e cria novos auxílios, como o Auxílio Criança Cidadã.

O Programa não possui provimento orçamentário e, por isso, depende de nova margem orçamentária possibilitada pela PEC dos Precatórios. O presente texto não se deterá no exame desta PEC, um tema axial, pois indissociável do intento de reeleição do atual presidente da República e dos parlamentares do chamado “Centrão”.

Este texto amplia as letras miúdas que ocultam o fato de que, por meio do Auxílio Brasil, Bolsonaro logrará aprovar o primeiro programa nacional de “cheques escolares” ou “vouchers educacionais” – o Auxílio Criança Cidadã – inserido como um “jabuti” no decreto. Como em intentos anteriores do ministro da Economia, a introdução dos vouchers se dará na educação infantil.

O reconhecimento da educação infantil como parte da educação básica é recente na história da educação brasileira. A criação do Auxílio Criança Cidadã visa reverter as conquistas logradas nos anos 2000, especialmente as advindas das Emendas constitucionais que asseguraram o financiamento público da educação infantil em creches e pré-escolas (EC nº 53/2006) e a ampliação da escolaridade obrigatória das crianças de 4 e 5 anos (que passa a compor a educação básica), com acesso aos programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (EC nº 59/2009). A oferta de educação infantil foi constituída como direito fundamental da criança e dever do Estado, superando o lugar assistencial que era conferido às crianças de zero a cinco anos.

O Auxílio Criança Cidadã é deslocado para um dos principais bunkers da guerra cultural e um dos enclaves do domínio de confissões religiosas fundamentalistas, o Ministério da Cidadania, que passa a ser o espaço que tem o poder de “distribuir” (provavelmente, mediado pela dita ação social dessas organizações religiosas) os cheques escolares (vouchers) para que as famílias possam ter acesso às unidades de educação infantil, por meio de sua oferta privada.

Com isso, Jair Bolsonaro pretende, simultaneamente, atender aos grupos fundamentalistas que deixaram de ter o controle sobre a educação das crianças a partir da ampliação de sua oferta pública e, ao mesmo tempo, destruir a educação pública, laica, pública, não mercantil.

É crucial compreender que essa luta não se esgota no âmbito educacional. É uma agenda que definirá, fortemente, os rumos políticos da extrema direita no Brasil e, dialeticamente, da esquerda. O tempo é de ação e de emergência. A base parlamentar do governo está coesa em torno dessa agenda. Para impedir uma derrota de consequências duradouras, as entidades democráticas, sindicais, estudantis, e os movimentos e os partidos comprometidos com os direitos sociais estão desafiados a realizar uma forte coalizão e lançar um robusto plano de lutas para derrotar os intentos da extrema direita”.

Outras Palavras; 24/11

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