27/10/2022

G1, 25/10
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Trajetória do antropólogo, etimólogo, educador, escritor e político, um dos maiores intelectuais brasileiros do século 20, é celebrada por ocasião de seu centenário de nascimento.

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

Esse trecho do discurso que o antropólogo, etimólogo, educador, escritor e político Darcy Ribeiro (1922-1997) proferiu na Universidade Sorbonne, em Paris, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa, resume a singular e brilhante carreira do intelectual mineiro que não ficou circunscrito aos limites da academia.

Nesta quarta-feira (26/10), sua vida e obra são celebradas e relembradas por ocasião de seu centenário de nascimento.

Seu amigo e escritor Eric Nepomuceno, que o visitou até os últimos de seus dias, disse à BBC News Brasil por que entende que Darcy foi um intelectual diferente.

“Darcy foi um desses pouquíssimos exemplos de intelectual que não fica de longe examinando números e estudando situações para depois teorizar soluções. Não, não: ele, que ao lado de Celso Furtado foi o intelectual brasileiro que mais peso e influência exerceu na América Hispânica na segunda metade do século 20, jamais ficou na contemplação”, diz Nepomuceno.

“Foi à luta, foi à realidade. Era um visionário, talvez, mas um visionário que foi para as trincheiras batalhar pelo que acreditava”, complementa.

Apaixonado pela questão indígena – Quando tinha 24 anos, mudou-se de São Paulo para uma comunidade indígena no Pantanal, em Mato Grosso do Sul. Mais tarde, moraria com outros indígenas entre o Pará e o Maranhão.

Eram os anos 1940 e 1950, e Darcy, ex-estudante de medicina, queria entender a vida dos povos originários. Não exatamente pelos estudos específicos da Medicina, mas por seu interesse pelos povos. Conta que acabou se apaixonando pela questão e ficou amigo dos indígenas.

“Eu fiz uma coisa pelos índios que foi criar o Parque do Xingu [em Mato Grosso]. Mas eles fizeram mais por mim. Eles me deram dignidade e hoje posso ir a qualquer país do mundo falar de índio”, disse.

No Diários Índios, ele relata sua experiência com os Urubus-Kaapor, na região amazônica. A convivência com esse povo foi transformada num filme do alemão Heinz Forthmann, que Darcy convidou para acompanhá-lo em algumas expedições amazônicas.

Educação pública e gratuita – Ao chegar à casa dos 30 anos, após sua vida com os indígenas e sua aproximação com os irmãos sertanistas Villas-Bôas, Darcy conviveu com o educador Anísio Teixeira e passou a ter paixão pela educação.

Foi um defensor contumaz da educação pública e gratuita para todos, como um dos lemas fundamentais no Brasil. “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”, disse num discurso no início dos anos 1980.

Legado – Foi já nos anos 1980, no governo Brizola, que concretizou o projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps). Ele acompanhava as obras das escolas, o currículo escolar e defendia a cultura local, recorda Gisele Jacon.

O legado de Darcy Ribeiro também inclui o Parque Nacional do Xingu (hoje Parque Indígena do Xingu), o Museu do Índio, o Memorial da América Latina, a Universidade Nacional de Brasília (que, por ideia dele, tem um “beijódromo”), o Monumento ao Zumbi dos Palmares e o Sambódromo do Rio de Janeiro (que, por ele, seria utilizado como escola nos períodos fora do Carnaval).

Fuga do hospital para escrever – Um mês após a internação na UTI, considerado um paciente terminal, em janeiro de 1995 Darcy foge do hospital para concluir em uma casa de praia em Maricá (RJ) seu livro O Povo Brasileiro – a Formação e o Sentido do Brasil, um clássico sobre a identidade e as muitas diversidades regionais brasileiras e que virou documentário.

“Eu não queria morrer sem terminar esse livro. Eu passei 30 anos e 40 dias escrevendo esse livro”, recordou três meses depois daquela fuga.

“Das pouquíssimas brigas sérias que tivemos, uma delas foi porque me recusei a ajudar o Darcy a fugir do hospital. Depois estive um sem-fim de vezes com ele na casa de Maricá, uma praia perto do Rio, onde se abrigou”, recordou Nepomuceno.

Sobre o livro, Darcy contou em 1995 em entrevista ao programa Roda Viva que queria saber “por que o Brasil não deu certo. Por que perdemos? Por que mais uma vez a direita ganhou? Porque o Brasil não deu certo do ponto de vista do seu povo?”