15/03/2021

O educador, escritor e jurista Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) é considerado o maior idealizador e, portanto, a maior referência na luta por uma educação pública de qualidade. Criador e reitor da Universidade Brasília, foi exonerado pela ditadura em 1964 – e desaparecido nos anos 70.

Depois de realizar uma conferência na Fundação Getúlio Vargas, na Praia de Botafogo, no Rio, o jurista e escritor baiano Anísio Teixeira, um dos principais pensadores da educação no Brasil, saiu andando em direção ao Edifício Duque de Caxias, a cerca de 200 metros dali. Na época, Teixeira estava fazendo campanha para se eleger a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL) e, naquele dia 11 de março de 1971, há exatos 50 anos, ele encontraria o “imortal” Aurélio Buarque de Holanda para um almoço na casa do famoso dicionarista.

 

Há 50 anos morria Anísio Teixeira, o maior idealizador da escola pública brasileira – leia esta retrospectiva preparada pela agência Deutsch Welle clicando na imagem ou aqui.

O educador, porém, jamais apareceu no apartamento do lexicógrafo. Na noite daquela quinta-feira, sua família começou a procurar por ele, mas Anísio nunca mais foi encontrado com vida. Seu corpo foi achado apenas no sábado à tarde, no poço do elevador do Edifício Duque de Caxias. Segundo a versão oficial da morte do jurista de 70 anos, divulgada na imprensa de então, ele sofreu um acidente ao tomar o elevador para a residência de Holanda. Entretanto, relatos dão conta de que, antes de chegar ao prédio, Teixeira fora detido por representantes da ditadura militar.

No livro “Breve história da vida e morte da vida e morte de Anísio Teixeira”, o pesquisador João Augusto de Lima Rocha, professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), reuniu informações que contestam a narrativa de acidente. Publicada em 2019, a obra reúne declarações de pessoas ligadas ao regime militar dando conta de que o jurista tinha foi levado para um interrogatório na Aeronáutica antes de chegar no Edifício Duque de Caixas. Segundo a família do educador, nenhum porteiro o viu passar pela entrada do prédio.

 

Atestado ocultado – O laudo cadavérico do Instituto Médico Legal (IML) sobre a morte de Teixeira foi ocultado durante décadas. Só foi encontrado em 2016, pela Comissão Nacional da Verdade, que investigou uma série de crimes cometidos pelos organismos de repressão da ditadura. Ao ser apresentado publicamente, no dia 11 de março daquele ano, o documento gerou uma grande surpresa por afirmar que o educador morreu no dia 12 de março. Portanto, um dia após seu desaparecimento e um dia antes de seu corpo ser encontrado no poço do elevador.

Os médicos amigos da família que acompanharam a chegada do corpo ao IML disseram que as fraturas não poderiam ter sido causadas por uma queda e que, pela maneira como foi achado o corpo, era impossível ele ter caído – afirma o professor Lima Rocha. – Além disso, os óculos do Anísio Teixeira foram encontrados intactos.

O baiano nascido no município de Caetité, no sertão do estado, nunca foi ativista político, jamais pegou em armas. Mas sempre foi um visionário. O homem que desde os anos 90 dá nome ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) Anísio Teixeira começou a atuar na área durante a década de 20. Signatário do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (1932), ele pregava o ensino laico, universal, humanista e de valores progressistas, livre de privilégios. Por tudo isso, seu trabalho sempre gerou a antipatia dos conservadores.

 

Anísio Teixeira durante inauguração da Universidade de Brasília, em 1962

Anísio Teixeira durante inauguração da Universidade de Brasília, em 1962

Exerceu diferentes cargos públicos, como o de inspetor geral do ensino na Bahia e o de secretário da Educação no Rio de Janeiro. Nos anos 50, dirigiu a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o próprio Inep. Em 1961, junto com Darcy Ribeiro, foi fundador da Universidade de Brasília (UnB) e seu primeiro reitor, até ser afastado após o golpe de 1964. Aposentado compulsoriamente do serviço público no Brasil, deu aula em universidades americanas e, posteriormente, foi para Santiago, onde foi consultor da reforma pedagógica da
Universidade Nacional do Chile.

Quando Teixeira voltou de vez ao Brasil, no fim dos anos 60, a ditadura estava em franco recrudescimento. Sua coluna na “Folha de S. Paulo” parou de ser publicada no dia 15 de dezembro de 1968, dois dias depois da edição do Ato Institucional 5 (AI-5), que legalizou a tortura de presos políticos e fechou o Congresso Nacional. Dali em diante, os generais decretaram tolerância zero com qualquer pensamento divergente. E, mesmo sem filiação partidária, Anísio Teixeira era chamado de comunista por radicais desde os anos 30.

– Sua atuação buscava modernizar o ensino brasileiro, o que incomodava os conservadores, interessados na manutenção do estado de ignorância que favorece quem está no poder. Em 1935 e em 1964, Anísio foi forçado a deixar cargos importantes no governo – pondera o pesquisador João Augusto Rocha, um dos organizadores da Fundação Anísio Teixeira, na Bahia. – Nos anos 70, os militares estavam monitorando ou até retaliando todos aqueles que tivessem ligação com o Chile. E Anísio participou da reformulação da Universidade Nacional do Chile.

 

Anísio Teixeira durante palestra em 1957
Anísio Teixeira durante palestra em 1957

 

Em 1971, o social-democrata Salvador Allende estava no início de sua presidência no Chile, que se tornara um refúgio para opositores da ditadura brasileira. Em janeiro daquele ano, mais de 70 presos políticos haviam sido libertados em troca da soltura do embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Carlos Lamarca. Além de ter sido alvo de inquéritos militares após o golpe, Teixeira tinha uma relação com a intelectualidade chilena.

Em 1988, João Augusto Rocha entrevistava o advogado Luiz Viana Filho, que era governador da Bahia quando do desaparecimento do educador. Após horas de conversa, o político pediu ao pesquisador que desligasse o gravador. Então, revelou que, após o sumiço de Teixeira, soube por meio de fontes no regime militar que o baiano de Caetité estava sob poder da Aeronáutica naquele dia, mas que a família não deveria se preocupar porque ele seria liberado em seguida.

 

Informação à família – De acordo com o autor de “Breve história da vida e morte de Anisio Teixeira”, outro depoimento reforça a hipótese de que o educador morreu durante uma sessão de tortura. Rocha conta que, em 1995, antes de morrer, o acadêmico Abgar Renault procurou a família do baiano. Renault, então, levou a informação, supostamente dada a ele pelo então comandante do 1º Exército, Sizeno Sarmento, de que Anísio fora visto em instalações da Aeronáutica no mesmo dia em que era dado como desaparecido: 11 de março de 1971.

Além disso tudo, o médico e professor Afrânio Coutinho, que morreu em 2000, me disse que observou a autópsia no IML. Segundo ele, as fraturas no corpo de Anísio não poderiam ter sido causadas por uma queda. Coutinho também afirmou que a autópsia indicou golpes de objetos cilíndricos no corpo de Anísio – conta o pesquisador da UFBA.

Uma extensa matéria publicada pelo jornal “Última Hora”, no dia 15 de março de 1971, informou que o Edifício Duque de Caxias passava por pintura naquele fatídico 11 de março. De acordo com o jornal, a base de apoio dos trabalhadores era junto à portinhola que dá acesso ao platô meio metro acima do fundo do fosso do elevador social, onde o corpo de Anísio foi encontrado. Muitos empregados do prédio também costumavam circular pelo local, mas ninguém registrou, em pleno meio-dia, qualquer grito ou barulho de tombo no prédio.

 

Comissão da Verdade – Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade da Universidade de Brasília assinaram um termo de cooperação para ampliar as investigações sobre a morte do primeiro reitor da UnB. Em 2016, os responsáveis pelo trabalho encontraram o laudo do IML com a revelação de que Teixeira morrera em 12 de março, um dia após ter desaparecido a caminho do apartamento de Aurélio Buarque de Holanda. A informação reforçou as suspeitas de que ele foi morto num porão da ditadura e que seu corpo, depositado no fosso do elevador. O fosso, aliás, tinha duas vigas de ferro separadas por um palmo de distância, pelas quais o jurista não teria passado numa queda.

Segundo Lima Rocha, a Comissão da Verdade foi encerrada sem chegar a uma conclusão sobre a morte de Anísio Teixeira. Em seu livro, o professor da UFBA sugere que sua pesquisa seja levada adiante pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, da Presidência da República, atualmente ocupada por Jair Messias Bolsonaro.