22/07/2021
Se nosso objetivo é educar crianças avessas ao racismo, o autor de ‘Escravidão’ (veja aqui) deveria constar no currículo do MEC

Comentário, por Fernanda Torres, atriz: “ No Brasil, o tráfico de humanos nos deixou de legado tanto a cultura e o conhecimento africanos quanto o progresso movido à chibata, à miséria, ao racismo e uma dívida social impossível de ser quitada.

Ignoro muitos aspectos da África que nos fundou e creio não ser um caso isolado. Inúmeros fatores contribuíram para o alheamento, inclusive decisões equivocadas de brasileiros doutos.

Em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, mandou incinerar os arquivos dessa “instituição funestíssima que por tantos anos paralisou o desenvolvimento da sociedade e infeccionou-lhe a atmosfera moral”.

A escravidão é um assunto espinhoso para uma descendente de portugueses transmontanos e italianos sardos como eu. Atraídos pela propaganda governamental, que prometia enriquecimento rápido numa terra onde o ouro brotava do chão, meus antepassados cruzaram o Atlântico no fim do século 19.

A campanha escondia o projeto de embranquecimento do país, por meio da substituição da mão de obra afrodescendente, recém-liberta pela abolição, por europeus pobres.

A minha existência, portanto, é resultado de uma política de viés racista. Livres do preconceito de cor, grande parte dos netos e bisnetos da imigração europeia conseguiram, em três ou quatro gerações, se transformar em doutores, intelectuais e até presidentes; destino raro entre os herdeiros dos africanos imigrados à força.

Na escola, aprendi que os portugueses aportaram no Brasil por acaso e que os povos indígenas, por preguiça inerente à raça, não se prestavam ao trabalho duro dos engenhos de açúcar. Para solucionar o problema, abomináveis comerciantes de escravos traficaram uma massa passiva de trabalhadores braçais, capturados na África primitiva”.

Folha de S. Paulo; 21/07
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