04/04/2022

Autora de “As Meninas” e “Antes do Baile Verde”, Ciranda de Pedra”, “As Horas Nuas”,  “Seminário dos Ratos”, “A Disciplina do Amor”, “Mistérios”, “Invenção e Memória”, só para citar alguns livros, a escritora Lygia Fagundes Telles morreu nesse domingo, aos 98 anos. Ela deixa uma obra que reflete seu olhar para o mundo e seu tempo. Nascida em 19 de abril de 1923, ela era filha de um advogado e de uma pianista, em São Paulo. A romancista morreu de causas naturais , segundo familiares.

Lygia foi uma voz ativa na vida intelectual e cultural brasileira. Amiga de Clarice Lispector (1920-1977) e de Hilda Hilst (1930-2004), formava com as duas a tríade das modernas da literatura brasileira no século XX.

“Sou uma testemunha do meu tempo e da minha sociedade”, declarou, a respeito de seu foco em temas relacionados à vida urbana, aos fatos de caráter político-social, o amor, o desamor, a solidão, a mulher.

A dedicação profunda de Lygia à escrita, à palavra, a levaram a uma carreira sólida. No decorrer de oito décadas de trabalho, conquistou leitores aqui e lá fora, e atraiu a atenção de seus pares. Por ocasião do lançamento de “Ciranda de Pedra”, seu primeiro romance, de 1954, o sociólogo, crítico e professor Antônio Cândido disse que o livro marcava a sua maturidade intelectual. O livro também arrancou outras bênçãos da intelectualidade, vindas de nomes como Paulo Rónai, Otto Maria Carppeaux e José Paulo Paes.

Lá atrás, logo percebeu o que a esperava. Bonita, elegante, a Lygia estudante de Direito no Largo de São Francisco dos anos 40 chegou a ouvir de homens do seu círculo: “Você é bonita, tem belas pernas. Por que esse negócio de escrever”? Ela contava isso fazendo graça de como o machismo, também em ambientes diferenciados culturalmente, mostrava a sua cara.

Para completar, em casa havia a voz da mãe, Maria do Rosário, que na mesma época soou o alerta: “Você já entrou em uma escola de homens. Vai publicar um livro? Agora você não casa mais”.

A vencedora – Lygia Fagundes Telles recebeu suas honras pelo trabalho – ou melhor, por seguir a sua vocação e escrever. A lista de reconhecimentos é longa, e inclui, por exemplo, a premiação, em 1970, por “Antes do Baile Verde” – o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros, na França. Também levou 3 Jabutis: em 1974, por “As Meninas” (que recebeu ainda o Coelho Neto, da ABL, e o Ficção da APCA); em 1996 por “A Noite Escura e mais Eu” (também ganhador de Melhor Livro de Contos da Biblioteca Nacional, e o APLUB de Literatura); e em 2001 por “Invenção e Memória” (que também levou o APCA e o Golfinho de Ouro).

Membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Paulista de Letras, da Academia de Ciências de Lisboa, ela recebeu em 2005 o Camões, o mais importante prêmio da literatura de língua portuguesa.

Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB) em 2001, a escritora Lygia Fagundes Telles foi a única brasileira a ser indicada (pela União Brasileira de Escritores), a concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura, em 2016. Não ganhou, mas estava no páreo.

Valor Econômico; 03/04
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