14/09/2021
Por Lilia Schwarcz, historiadora: “Passada uma semana do fatídico 7 de setembro de 2021, já é possível olhar para o que aconteceu com “alguma distância”. “Alguma”, pois, como a cada dia o presidente fabrica uma novidade, me parece que essa “distância” jamais será segura, tampouco definitiva.

A data do 7 de setembro nunca foi uma unanimidade, nem nos tempos de d. Pedro e, muito menos, agora. Na época em que o então príncipe se encontrava às margens do Ipiranga – em missão nada oficial, pois voltava de uma visita à Marquesa de Santos, e com suas funções intestinais avariadas, o que fazia com que tivesse que se “apear”, como mostram os documentos, nas proximidades do rio –, já não havia consenso sobre qual data homenagear.

Afinal, o evento foi presenciado por poucos e teve quase nada de exemplar. Na verdade, a data mais importante seria 14 de setembro de 1822, quando d. Pedro chega ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil, ou 12 de outubro, quando foi coroado. Além do mais, em São Luís do Maranhão, que tinha ligações diretas com Portugal, foi só em 28 de julho de 1823 que a autonomia foi celebrada. O mesmo ocorreu com a Bahia, capital do país até 1763, que até hoje comemora a independência no dia 2 de julho de 1823. E diferente da lenda dourada de uma independência pacífica e sem grandes conflitos, em algumas províncias deram-se batalhas sangrentas, como a de Jenipapo, no Piauí, em que 200 pessoas morreram.

[…]  Novos regimes, sobretudo os autoritários, costumam sequestrar símbolos pátrios – bandeiras, cores, eventos – e também conceitos e eventos. O golpe militar nada tinha de revolução, e tampouco trazia liberdade aos brasileiros e brasileiras. Na verdade, os tolheu de todos os direitos com a implantação sucessiva de 17 Atos Institucionais, e com a montagem de uma verdadeira “máquina de matar” sob a guarida do Estado.

Retomava-se uma tradição própria ao Exército brasileiro que até hoje se entende como salvador da pátria e fiel da democracia. Não é! Todas as vezes que os militares se imiscuíram na política, sempre assassinaram a democracia. De toda maneira, no Brasil, exaltação da pátria é um mote militar, que em 1964 tornou obrigatória a matéria de “Educação Moral e Cívica”, que incluía cantar o hino, jurar a bandeira e participar de desfile pátrio.

Bolsonaro, que compareceu ao evento em Brasília e em São Paulo, parecia entender a si próprio como um misto de príncipe ultrajado por seus inimigos traidores – o STF (Supremo Tribunal Federal) e os comunistas –, um messias no nome e na realidade, mas também como um militar que convocava seu povo para o combate aos infames traidores da pátria.

O mais importante, porém, é entender que o bolsonarismo está vivo e que as forças retrógradas estão bastante organizadas. É passada a hora dos setores progressistas recuperarem o espaço público como seu. Na história do Brasil, tão marcada por golpes, contragolpes e quarteladas, tradicionalmente a direita fecha junta, enquanto a esquerda se divide. Erramos demais em 2018. Não há tempo para errar novamente em 2022. Um novo vacilo pode custar muito para o país, e para nossa combalida democracia”.

Nexo; 13/09
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